sábado, 10 de março de 2012

UM SORRISO DO ACASO


Estranhamente, um impulso fez-me deixar os meus amigos para trás e como guiado pelo acaso, virei costas ao palco principal do festival em pleno orgasmo colectivo sonoro provocado pelos Prodigy e caminhei sozinho, contra a corrente humana em direcção à tenda alternativa. Dispersas pela sala improvisada, sentadas no chão em pequenos grupos de 4, 5 ou 6 amigos, não eram muitas as pessoas que lá dentro se encontravam. Algumas preferiam marcar posição junto ás grades que separavam o pedestral dos artistas e zona do público. Foi aí  que me coloquei, olhando á minha volta e sentindo o ambiente. Bem diferente da histeria colectiva que me rodeava momentos antes. No palco os roadies preparavam o show que se seguiria. Porque nem tudo tem uma explicação, ainda hoje não sei explicar as boas vibrações que por lá pairavam. Ao meu lado dei conta duma bela morena. Tudo na sua imagem traduzia simplicidade, a mesma simplicidade que dá sentido à vida. Cabelo pouco comprido, preso atrás das orelhas, T-shirt cinzenta, de camera na mão disparava flashes em direção ao palco, captando os movimentos de quem acabava de montar a bateria ou testava o som dos monitores. Inevitavelmente acabamos por cruzar os olhares de uma forma natural, e vi então um dos mais belos sorrisos de que tenho memória.
  A mais de meia-hora de espera revelou-se curta. Sentia uma paz tão intensa quanto improvável num festival de verão com tanto calor, poeira no ar, filas intermináveis para comprar sandes, ou chegar até uma cerveja e o cansaço inerente a uma viagem de carro e mais de 10 horas em pé consecutivas. Do espectáculo lembro-me de 2 músicos que encheram o palco, a sala e a minha alma. A morena do sorriso bonito continuava ao meu lado numa estranha empatia em que o silêncio se tornava cumplice. Como o silêncio pode ser tão rico? Não explico, são coisas q se sentem...

  Nao conhecia bem a banda, apenas uma malha em que uma voz feminina irada repetia "That's Not My Name". Não fazia o meu estilo mas fiquei deliciado. A energia em palco contrastava com a minha tranquilidade interior. A vocalista do duo exprimia-se como se fosse o último concerto da sua vida, um concerto que a mim me soube a muito pouco. Por minha vontade teria lá ficado o resto da noite a sentir toda aquela envolvência. No fim do espectáculo, após aplausos e encores, já a maioria do público presente dispersava da tenda, troquei umas palavras sobre o concerto com a morena do belo sorriso antes de nos apresentarmos, trocarmos endereços de e-mail, com um pedido da minha parte e a promessa (cumprida) da parte dela do envio de algumas fotos do concerto e despedirmos para provavelmente nunca mais nos tornarmos a encontrar fisicamente. São situações típicas de festivais de verão e o que os torna tão especiais, o contato carregado de boas vibrações com gente desconhecida.
 Muito provavelmente não tomei consciência naquela altura mas algo que acontecia marcava profundamente e para sempre a minha vivência. Ainda hoje não sei por que motivo deixei os meus amigos e rumei sozinho para aquela tenda mas há momentos que nunca mais esquecerei e esse será um deles. Nessa noite o concerto de Ting Tings foi do mais simples e genuíno bem-estar que já experimentei, e pelo seu significado, aquele sorriso em tão belo rosto irá ficar para sempre gravado na minha memória... E por isso dou graças ao acaso.

sexta-feira, 2 de março de 2012

OLD GUN: OS ÚLTIMOS DIAS


OLD GUN - O FIM


 



4 de dezembro de 2011, 3:00, Kastrus River Klub - Esposende...

Estavamos em pleno palco. Tinhamos sido convidados para lá actuar na qualidade de vencedores do Rockastrus 2011. O som tava bom, mas a hora tardia a que começou o espectáculo fez muita gente dispersar. O ambiente estava algo esquesito. Sentia que havia algo que não estava bem. Uma sensação estranha... Findo o espectáculo viemos para casa. 3 dias depois recebo uma sms do Bad Bones com apenas 2 frases: "Vou sair da banda. Depois falamos". Foi o início visivel do fim de Old Gun.

Já há algum tempo que não sentia a alegria de tocar como era suposto sentir apesar das coisas aparentemente estarem a rolar cada vez melhor... estranho... ou talvez não. Marcamos uma reunião em casa do Capitão. O Bad Bones foi o primeiro a falar. Falou-nos do orgulho e do prazer que sempre teve em ser um Old Gun. No fim lá acabou por dizer que a sua vida pessoal falou mais alto e se tornou por isso incompatível continuar. Seguiu-se o Pepper Boy que apanhou o embalo do Bones para anunciar a sua intenção de sair, algo que já não foi tão surpresa para ninguém como poderia parecer. Nesse momento, o fim de Old Gun ficou definitivamente decidido. Ainda houve tempo nessa noite para uma sugestão do Zen: Fazer um último concerto de despedida. A ideia foi aceite por todos e ficamos então de tratar disso. Pés ao caminho e fui ao Mercedes, o local onde provavelmente nos sentimos mais em casa. O dono deste histórico bar da ribeira, o incontornável Zequinha ficou muito receptivo e após conferir datas agendamos para 11 de fevereiro de 2012. Quase um mês sem contacto com a música, foi apenas a meio de janeiro que iniciamos a preparação do concerto. Divulgação, trabalho, trabalho e mais divulgação. A notícia espalhou-se como um incêndio num palheiro. A promessa de muita afluência fez espevitar o esforço para terminar a gravação do nosso album em stand by há muito muito tempo. A semana que antecedeu o concerto foi de loucos, num contra-relógio inacreditável. Nessa altura já contavamos com uma ajuda quase caída do céu. Há coincidências felizes e esta foi uma delas. Um velho conhecido (eu pessoalmente conheço-o desde que me conheço a mim), apareceu no Rendez Vous a tempo de assistir pela primeira vez a um concerto de Old Gun. Foi o nosso último concerto no Porto antes de decidirmos o fim da banda. Foi mesmo a tempo. Desde então permaneceu como figura sempre presente. Estamos a falar de alguém que também é músico há cerca de 20 anos, provavelmente mais músico que nós todos juntos. Um dos melhores baixistas que conheço. Pertenceu aos Melancholic Youth of Jesus, quando eles eram realmente Melancholic Youth of Jesus, e ainda Poker Alho, uma banda de referência do Heavy Metal português dos anos 90. Apesar de todo o protagonismo que já teve e continuará a ter concerteza, teve um comportamento simplesmente inacreditável: Foi fotógrafo, designer, empregado de armazém, motorista e até groupie sempre com uma simplicidade, alegria e disponibilidade sem igual. Podemos dizer que sem ele, nem álbum, nem sequer condições para dar um último concerto digno do nosso nome teríamos. A noite que antecedeu o concerto passamos a reproduzir cds, dobrar e cortar capas até ás 5 e meia da manhã. Nunca irei esquecer tamanho sacrifício e companheirismo por  parte de quem lá esteve.






 



11 de fevereiro de 2012, 23:45-  Mercedes (Porto)




Entramos num Mercedes completamente apinhado de público. Tudo ou quase tudo para ver Old Gun. Amigos, conhecidos, admiradores, fans (porque não dizê-lo) compunham um bar que foi minúsculo para tanta alma. Na banca á entrada do bar, a capa predominantemente branca do álbum, de seu nome "Lead Me Where Rock Is Rolling" sobressaía no contraste com a pouca luz do ambiente nocturno. Passava uma música dos Chicago, banda liderada por Peter Cetera. Era o código para subirmos para o palco. Não foi fácil conseguir lá chegar por entre tanta gente. Abraços, palmadinhas nas costas, beijos, cumprimentos... O calor humano era indescritível. Subimos finalmente e abrimos com a super poderosa Nasty Babylon. Playboy Blues (um tema que apenas tocamos 2 vezes antes), apresentamo-nos de seguida com Lords From Nowhere, Meet The Gasoline Man. O público não arredou pé.Tempo então para uma homenagem ao nosso antigo vocalista Tiago Valente, que voltou a partilhar um palco connosco para interpretar a velhinha Friday 13. Seguiu-se uma experiência nova para o Capitão que lá cumpriu o seu sonho de tocar guitarra num concerto com a Hot Song. mais uma série de 5 temas sempre a abrir, a dedicatória de toda uma carreira ao nosso público sempre fantástico com a Running In My Time e um semi-fecho mais doce do que o habitual com a Into de Madness antes da emblemática Missed Bliss ter encerrado mais 3 fantásticos anos de palco. Ainda e a pedido de muita gente fomos "obrigados" a interpretar a nossa versão de sempre: I Ran para encerrar de vez com o, arrisco em dizer, mais belo capítulo das nossas vidas em termos musicais. Foi por tudo isto uma despedida digna e grandiosa, como eu nunca imaginei quando iniciamos este percurso em 2008. O resto da noite passou-se num agradável e emocionado convívio com tanta gente, tantos e tantos amigos que não quiseram perder a oportunidade de nos rever uma última vez todos juntos num palco. Provavelmente mesmo o último momento em que isso aconteceu. Igual cenário, estou em crer sinceramente, nunca mais se irá repetir.